Para ti

ajuda-me a suportar o peso destes dias em que a lama se mistura com a luz, e deixa-me ver no escuro como as laranjas crescem nas àrvores do meu coração mesmo quando o silêncio se transforma em desertos, para que todos os meus desertos sejam o caminho que te procura, e dá-me a tua mão para nela pôr a minha alma enquanto caminhamos.
desce sobre mim a tua luz, a tua àgua, a tua chuva, ajuda-me a ser o teu destino, a tua única verdade, pois tu és a minha explicação.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

aquele que amas
ficará gravado nas pedras

as suas mãos ansiosas
os seus olhos que querem


dar-te quase tudo

domingo, 27 de julho de 2008

ele escrevia poemas
e cuidava das flores

mas era a ti
que procurava.

agora que te encontrou
para que quer os poemas

e as flores

sábado, 19 de julho de 2008

guarda-me no teu coração

como se eu fosse apenas

uma ave pousada nos teus olhos

uma formiga que passa silenciosa

e calma
e nada se move no mundo

nem ar nem vento

luz ou água

e a chuva apenas chove

e guarda-me de tudo

o que me torna fraco
e se achares que não mereço
faz-me ser
um barco muito velho

uma praia uma sombra
o canto de uma casa

uma rosa no teu coração

quinta-feira, 17 de julho de 2008


passará muito tempo
até que este poema se apague.

como os cometas que há no céu
os peixes farão riscos na água dos rios

e eu nos teus olhos

uma estrela

terça-feira, 15 de julho de 2008

poeta

nada tem. nada quer.
vive na cidade alucinado e só.
nasceu cego: vê através dos dedos.


respira nos pontos mais altos
das árvores

caminha entre as ervas e
cai
cai

e julgam que anda a fingir
e cai
cai

e sempre a cair
confundem a sua dor

que é uma luz muito funda


agora que estou só
tudo é perfeito

e as pessoas chegam e perguntam
que estranha coisa é essa

e eu respondo sem saber

uma flor

sábado, 12 de julho de 2008

desde que vieste

as flores nunca mais pararam de florir
as árvores dão frutos continuamente

o teu perfume exala pela cidade
pelas ruas
atravessa as paredes
as casas

e as pessoas não entendem este milagre
e procuram no céu uma explicação

procuram indícios sinais suspeitas
uma explicação qualquer
para a súbita claridade
que há no mundo

e eu passeio pela cidade
sorrindo contente

pois sou o único
que iluminas no teu coração

domingo, 6 de julho de 2008

o meu amor é feito
com barcos de papel

cartas escritas devagar
enquanto chove

um nome dois nomes


uma sombra inclinada
que segue o pássaro
da manhã

o meu amor
todos os dias morre

sexta-feira, 4 de julho de 2008

desde ontem
o mundo tem mistérios
que não entendo. são como janelas

por onde vão os meus passos inquietos
porque desde ontem ter asas
não é limite

e o tempo fechou-se numa laranja
a flor abriu-se numa semente
e cada coisa que se fecha
noutra coisa se abre

e um poema pousado numa tarde
é uma árvore uma sombra um rio

a mão iluminada

que te busca

quinta-feira, 3 de julho de 2008

uma coisa
andava no ar


uma laranja
crescia nas árvores.


ainda não sabia
que te amava

terça-feira, 1 de julho de 2008

Foi morta gente durante todo o verão.
Os seus corpos encheram-se de rosas
e ervas

e floriram depois
entre os cogumelos.

Veio o outono com as sombras
e as mãos dos mortos misturaram-se no chão
com as folhas húmidas das árvores.
Veio o inverno. Veio a chuva sobre a terra
seca, veio o vento frio, molhado ainda do mar,
veio a lama e entrou pelos olhos dos mortos

que já não tinham palavras nem nada para ver;
veio o dia e a noite

e floriram
algumas pequenas flores
quando já era primavera; e então as ruas encheram-se
de minúsculas ervas verdes entre as pedras da calçada,
líquenes nos muros, nenúfares nos lagos. E nada
mudou no hábito das aves.

E assim tem sido sempre também:

todos os anos
se repetem os mortos

e as mesmas rosas secas.

(Poema escrito em 2001. Inédito)