Para ti

ajuda-me a suportar o peso destes dias em que a lama se mistura com a luz, e deixa-me ver no escuro como as laranjas crescem nas àrvores do meu coração mesmo quando o silêncio se transforma em desertos, para que todos os meus desertos sejam o caminho que te procura, e dá-me a tua mão para nela pôr a minha alma enquanto caminhamos.
desce sobre mim a tua luz, a tua àgua, a tua chuva, ajuda-me a ser o teu destino, a tua única verdade, pois tu és a minha explicação.

domingo, 28 de dezembro de 2008

quero estar contigo
em todos os lugares da cidade

nos sitios movimentados
onde as pessoas se acotovelam
e se empurram e talvez gritem

e naqueles mais escuros
onde só a tua luz
permite que haja claridade

e nos lugares mais escondidos
onde bandidos ladrões e outros
se arrastam pelas ruas
pois não sabem que tu existes.

e eu então
sou o felizardo a que deste a mão

aquele a que disseste
"vim trazer a luz ao teu coração
vem comigo"
e eu vou contigo

e não pergunto onde me levas
porque sei

não sei como
mas sei
que só quero estar contigo

em todos os lugares da minha vida

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

um dia hei de calar-me 
para que fales tu por mim 

nesse dia já não estarei 
à tua porta 

serei uma flor 
um fruto 
um vulto na claridade 

um lugar no teu coração
 

domingo, 21 de dezembro de 2008

agora

que é altura de sermos todos

muito bons

 

creio apenas nos dias

em que tu

me deste sementes e flores

 

e não obstante

as intrigas de 2008

 

estiveste sempre comigo

na fome na sede e nos abismos

 

e nunca me decepcionaste

sábado, 6 de dezembro de 2008

os poetas não escrevem
para os homens

há nestes o vício da intriga
a queda fácil na calúnia

e por isso são as flores
ou talvez quando chove

sábado, 29 de novembro de 2008

há muitos anos
que busco uma explicação
nos livros
nos olhos dos animais
nas pessoas que passam

no sentido que deve haver
em tudo o que se move

e até na chuva
e nas mãos que tocam a claridade
dos dias mais secretos

mas só tu és
a minha explicação

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

sou um lugar só teu

 

e se queres eu chovo

e se queres sou a claridade

nos teus olhos

 

pois toda a minha luz vem de ti

e a ti retorna.

 

e se a vida tem muitos caminhos

e cidades

 

só tu és a minha pátria

o idioma de quando falo respiro

ou em silêncio estou.

 

busco a coincidência

 

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

veremos de que lado vem o mar

 

em que barcos pousam as gaivotas

 

pois um dia

tudo estará caído na praia

 

e numa luz que passa

segunda-feira, 13 de outubro de 2008


um poeta, ou talvez Deus, dirige-se a ti

 

 

agora já conheces a verdade

 

pois eu não sou o ar que respiras

mas o teu próprio respirar

 

e no caminho que buscas

eu sou o teu chão os teus pés

o próprio caminho sou e a tua busca

 

procuras e o que procuras sou

 

o teu corpo a tua sombra

e a tua alma sou

e a areia da praia a chuva

as tuas lágrimas sou também

 

acreditas e sou o que acreditas

 

outros viram os teus olhos

mas nenhum outro é o teu olhar

 

outros quiseram dar-te claridade

mas nenhum outro é a própria luz

 

outros quiseram dar-te água

mas apenas eu sou a sede e a água

corpo asas e voo

num só pássaro reunidos

 

com outros cantaste

mas só eu sou a tua voz

 

cantas e quando cantas é em mim

 

e não podes magoar-me

sem que te magoes também

e não podes fugir-me

sem que fujas de ti. vê se entendes:

sou a tua prisão e a tua liberdade

 

e uma pedra que ergas contra mim

é inútil: eu sou a pedra e o gesto

todo o teu corpo em plenitude

 

e não tentes combater-me

pois estou rendido no teu coração

 

em verdade te digo que vim para ficar

pois sou aquele que é em ti

sem esforço sem força sem limites

 

apenas porque sou

quinta-feira, 2 de outubro de 2008


 

diz-me a verdade

que guardas quando chove

 

pois os frutos desta árvore

são para ti

 

as minhas nuvens descansam

nos teus reflexos de água

e lembram muitos gestos

 

e sementes de primavera.

 

quero morrer

num dia em que tu não estejas

sábado, 27 de setembro de 2008

quero estar sempre contigo

 

com as árvores e o mundo

enquanto chove nas rosas

 

e os pássaros regressam

aos países

 

do coração

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

e assim o amor não tem explicação


resiste à lógica

às coisas de vidro e ao papel

 

vem quando vem

sem portas janelas chaves


e mora no coração

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

acredito que és Deus

 

e por isso choves nas árvores

e nos beirados das casas

 

e as pessoas pensam que a chuva

é uma coisa natural

como os frutos das árvores

e os pássaros nos quintais

 

e por isso já não ligam

nem perdem tempo a olhar

 

mas eu sei que nas tuas mãos

só há mistérios

sábado, 6 de setembro de 2008


esta é a minha morte

e nela
uma flor

com o teu nome

quarta-feira, 3 de setembro de 2008


li num livro

que tu respiras nas árvores

e às vezes
em dias que não se explicam

vais com as aves:

estações e chuva
no meu coração

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

sob cada nome estás

o teu rosto ilumina o mundo

nenhuma vida cabe por completo
nas árvores

e então dás frutos

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

leva-me no teu coração

para que nunca mais
te procure na chuva

e nunca mais entre
os que atravessam a noite

e seja meu o destino
naquele que morre em ti

pois todas as rosas são
o lugar onde começam

as tuas mãos

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

hoje descobri que te amo
muito mais do que as árvores

podem dizer-te.

e por isso quando chove
muito mais do que a água

mais do que a luz
quando toca o mundo

é esta rosa que se abre
só para ti

quarta-feira, 6 de agosto de 2008



hoje encontrei
um pássaro morto

nos meus poemas

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

quando observo as gaivotas
ao final da tarde voando para norte
pergunto: para onde vão?

e que estranho designio
lhes move asas e coração?

e depois dou-te as minhas mão
se pergunto:

queres ser o meu destino?

quarta-feira, 30 de julho de 2008

aquele que amas
ficará gravado nas pedras

as suas mãos ansiosas
os seus olhos que querem


dar-te quase tudo

domingo, 27 de julho de 2008

ele escrevia poemas
e cuidava das flores

mas era a ti
que procurava.

agora que te encontrou
para que quer os poemas

e as flores

sábado, 19 de julho de 2008

guarda-me no teu coração

como se eu fosse apenas

uma ave pousada nos teus olhos

uma formiga que passa silenciosa

e calma
e nada se move no mundo

nem ar nem vento

luz ou água

e a chuva apenas chove

e guarda-me de tudo

o que me torna fraco
e se achares que não mereço
faz-me ser
um barco muito velho

uma praia uma sombra
o canto de uma casa

uma rosa no teu coração

quinta-feira, 17 de julho de 2008


passará muito tempo
até que este poema se apague.

como os cometas que há no céu
os peixes farão riscos na água dos rios

e eu nos teus olhos

uma estrela

terça-feira, 15 de julho de 2008

poeta

nada tem. nada quer.
vive na cidade alucinado e só.
nasceu cego: vê através dos dedos.


respira nos pontos mais altos
das árvores

caminha entre as ervas e
cai
cai

e julgam que anda a fingir
e cai
cai

e sempre a cair
confundem a sua dor

que é uma luz muito funda


agora que estou só
tudo é perfeito

e as pessoas chegam e perguntam
que estranha coisa é essa

e eu respondo sem saber

uma flor

sábado, 12 de julho de 2008

desde que vieste

as flores nunca mais pararam de florir
as árvores dão frutos continuamente

o teu perfume exala pela cidade
pelas ruas
atravessa as paredes
as casas

e as pessoas não entendem este milagre
e procuram no céu uma explicação

procuram indícios sinais suspeitas
uma explicação qualquer
para a súbita claridade
que há no mundo

e eu passeio pela cidade
sorrindo contente

pois sou o único
que iluminas no teu coração

domingo, 6 de julho de 2008

o meu amor é feito
com barcos de papel

cartas escritas devagar
enquanto chove

um nome dois nomes


uma sombra inclinada
que segue o pássaro
da manhã

o meu amor
todos os dias morre

sexta-feira, 4 de julho de 2008

desde ontem
o mundo tem mistérios
que não entendo. são como janelas

por onde vão os meus passos inquietos
porque desde ontem ter asas
não é limite

e o tempo fechou-se numa laranja
a flor abriu-se numa semente
e cada coisa que se fecha
noutra coisa se abre

e um poema pousado numa tarde
é uma árvore uma sombra um rio

a mão iluminada

que te busca

quinta-feira, 3 de julho de 2008

uma coisa
andava no ar


uma laranja
crescia nas árvores.


ainda não sabia
que te amava

terça-feira, 1 de julho de 2008

Foi morta gente durante todo o verão.
Os seus corpos encheram-se de rosas
e ervas

e floriram depois
entre os cogumelos.

Veio o outono com as sombras
e as mãos dos mortos misturaram-se no chão
com as folhas húmidas das árvores.
Veio o inverno. Veio a chuva sobre a terra
seca, veio o vento frio, molhado ainda do mar,
veio a lama e entrou pelos olhos dos mortos

que já não tinham palavras nem nada para ver;
veio o dia e a noite

e floriram
algumas pequenas flores
quando já era primavera; e então as ruas encheram-se
de minúsculas ervas verdes entre as pedras da calçada,
líquenes nos muros, nenúfares nos lagos. E nada
mudou no hábito das aves.

E assim tem sido sempre também:

todos os anos
se repetem os mortos

e as mesmas rosas secas.

(Poema escrito em 2001. Inédito)



sexta-feira, 27 de junho de 2008

ninguém te ama tanto como eu

nem mesmo Cristo na sua cruz
julgado e condenado
arrastado e negado pelas ruas

chorado por uns
por outros ignorado
e ao terceiro dia
caminhando no mundo e nas casas

pois o que amo em ti
não tem dor mágoa ou ferida


e caminha para ti



terça-feira, 24 de junho de 2008

a árvore das certezas
tem muitas folhas e frutos
não obedece a estações nem climas

é um mistério para toda a gente.

mas não para os que amam

domingo, 22 de junho de 2008


os homens constroem casas
cidades estradas
e eu construo dentro de mim
o nosso amor

as aves seguem as estações
atravessam montanhas oceanos países
e eu trago em mim o teu destino

os velhos esperam a morte.

eu espero por ti
desde há dias
que cresce em mim uma flor
com o teu nome.

e por onde quer que vá
levo-a comigo

e as pessoas perguntam
como pode ser isso possível

e eu digo

os milagres não se explicam

sábado, 21 de junho de 2008

em Maio de 2008 conheci Deus

vinha num abraço e trazia rosas
ou seriam folhas e árvores


agora sei que a claridade
tem muitas evidências
e animais calados.

em Junho de 2008
o que amas ficará nas rosas

quinta-feira, 19 de junho de 2008

plantarei uma flor
onde quer que estejas

para nunca nada te magoe
e os dias sigam o brilho
da tua passagem pela água

e a tua beleza ilumine
os que andam no escuro

tu que és
o meu mais amado segredo
segurando um poema muito antigo

percorrerei contigo os grandes lagos
onde os gansos descansam.

depois

indo de norte para sul

pousaremos sossegados
na velha cadeira

de Yeats

terça-feira, 17 de junho de 2008

ao procurar a raiz da dor
encontrei a tua mão

pousada no meu coração:

o verdadeiro amor
não magoa

domingo, 15 de junho de 2008

para que nunca morras em mim
fui buscar uma estrela ao céu

mas toda a gente sabe
que não podem tirar-se estrelas do céu

e assim com a estrela trouxe o céu
e nele vinham as tuas mãos
os teus olhos

a tua alma

sábado, 14 de junho de 2008

todos os dias
te procuro na minha vida

e todos os dias
te encontro no meu coração.

como uma planta rara
todos os dias cresces nos meus olhos
sem que ninguém mais

te veja

sexta-feira, 13 de junho de 2008

ainda estou aqui

as aves pousam nos meus olhos
fazem círculos no céu
tornam-se árvores.

rios tranquilos passam
e levam as minhas mãos
torno-me água

e então
serei como os peixes
como as asas de uma mariposa

uma formiga num velho muro
um dia de verão muito quente
os animais que procuram

a tua sombra no meu coração

terça-feira, 10 de junho de 2008

que de ambos os lados
sejam plantadas árvores
e os frutos sejam teus
e sejam também meus quando

me debruço na tua sombra

e a tua verdade ilumine
o meu caminho

com água-de-rosas

sexta-feira, 6 de junho de 2008

ninguém sabe
que te trago comigo

pois tu és o meu mistério
o meu segredo

a sombra que me leva
pelo mundo

a raiz de uma árvore
em movimento.

e onde eu esteja
uma rosa cresce


para ti

quinta-feira, 5 de junho de 2008

uma ave move-se
nos teus olhos

e eu pergunto

é assim o céu?

segunda-feira, 2 de junho de 2008

havia uma estrela
e dei-ta

sonhei que a tua vida
te pesava
e dei-te as minhas duas mãos

e mais te daria de rosas abraços
e outros prodígios do mundo

quando uma coisa aconteceu
(das minhas filhas)

tudo é incerto no mundo

tudo dói ou brilha
conforme a perspectiva

excepto o vosso amor

domingo, 1 de junho de 2008

não sei o que há em ti
que não encontro

e por isso és o mistério
da minha vida

maior que a chuva
maior que a dor

maior que a pequena pedra
que trazes contigo

pois cada dia cresce
onde e como não sei

essa espécie de flor iluminada

segunda-feira, 26 de maio de 2008

e tu descias devagar na água
para que não se apagasse a luz

percorrendo as ruas de uma cidade
que não existe

abrindo as flores
de um tempo apenas imaginado.

mas isso que importa
se tu eras a chuva

e minha era a mão
que escreveu os poemas

do teu livro de cabeceira

domingo, 25 de maio de 2008

estas coisas me deixas

um pouco de água
onde há luz e chuva
como nos países das rosas

e devia falar-te dos pássaros

da tua mão iluminada
que jamais tocou
para além das laranjas

onde vi crescer as tuas asas

quinta-feira, 22 de maio de 2008

e as pessoas perguntam-me
como posso amar-te tanto

e eu não sei.

desde há dias
que vivo iluminado

por esta ignorância feliz

segunda-feira, 19 de maio de 2008

o amor autêntico
prescinde de cartas

bastam-lhe
os frágeis sinais na água

ou os gestos iluminados dos pássaros
quando passam

na cálida luz intacta

sábado, 17 de maio de 2008

deixo aqui esta flor

para que possa crescer
num lugar do teu quintal

e amanhã a encontres
coberta de sinais de chuva

e marcas desta mão

quinta-feira, 15 de maio de 2008

senhor

livrai-nos dos políticos
e das suas mãos escuras

e dai-nos força e paciência
e o dom da espera sem exagerar

e permiti que a nossa ignorância
não nos encha de orgulho
e cegue nos momentos de exaltação

e não nos deixeis cair na tentação
de os levar aos nossos ombros
ou acenar com bandeirinhas

senhor

livrai-nos dos políticos
pois a nós falta coragem

quarta-feira, 14 de maio de 2008

esta noite irei caminhar
sobre as águas deste rio
e tu perguntas
mas não é difícil caminhar sobre
a água?

mais difícil é ser feliz
sento-me a imaginar
como será a cidade onde vives

o cheiro das ruas por onde passas
em que árvores pousam os teus pássaros

ou que língua falam as tuas crianças
e de que anjos contas estórias

quando vão adormecer.

que rastos deixarias tu na areia

caso existisses

domingo, 11 de maio de 2008

tudo em ti é luz e água

e por isso ao caminhares
levas contigo um arco-íris

e as árvores movem-se
as ruas movem-se

tudo se move à tua volta
quando choves

terça-feira, 6 de maio de 2008

como puede la luz
parecerse tanto a ti

y despues hay las naranjas
donde tocan tus manos iluminadas
inaugurando en el mundo un misterio

que solo las aves presienten

y pregunto como puedes tu ser
un árbol tan fecundo
y de tus hojas agua y rosas

y te pareces tanto con la lluvia

sábado, 3 de maio de 2008

e este é o meu segredo

e nele amar-te como se fosses água
e seres de mim a sede
e o lugar onde tudo falta

e trazer-te como se fosses nada
ou talvez uma palavra impossível


uma flor plantada no coração

e ser a tua formiga a tua árvore

e deitar-me nas tuas mãos
como se fosses Deus

sexta-feira, 2 de maio de 2008


há um mistério em ti
que não entendo

e nele os pássaros movem-se
como rosas em silêncio

e há dias
em que as horas não passam
e são barcos presos na areia

e outros
em que as noites têm estrelas
que as minhas mãos quase
podem agarrar

ou talvez sejam as tuas asas
quando passas

deixando sinais na água

terça-feira, 29 de abril de 2008

para Maria Angeles
1.
que todas as rosas sosseguem
no teu coração


pois onde

tua mãe agora está

as rosas
nunca murcham

2.
que os teus olhos sosseguem

pois onde

tua mãe agora está

as estrelas
nunca se apagam

segunda-feira, 28 de abril de 2008


este é o amor que purifica

e com ele e por ele
tudo se transforma e dá

e pode ser um minuto
uma hora ou toda a vida

sem glória nem prestígio
vitórias ou vencidos

é uma luz que desce sobre nós
e nunca mais

se apaga
devia dizer menos vezes o teu nome
e depois guardar-te

numa cidade num país
num lugar ignorado pelos homens

e onde as árvores fossem intocáveis
e desconhecidas

porque todo o amor deve ser inviolável

como este poema que te dou
e depois se fecha numa flor
aberta apenas para ti

sábado, 19 de abril de 2008

eis a rosa de onde o meu silêncio brota
a palavra das palavras que me dizes

na manhã em que uma estrela
veio buscar-me o coração

e te levou com ele

sábado, 12 de abril de 2008

o que te disse nestes dias
em que tudo se transformou em chuva

as notícias a insensatez
as mortes

a certeza de uns
e a pobreza de outros

e alguém dorme comigo todos os dias
nesta coisa estranha
que nos deste

oh dá-nos uma vida
onde uns e outros sejamos

a flor nunca dita

domingo, 30 de março de 2008

jura que nada
ficará fora de nós

nem espaço nem tempo

nem onde
nem porque

sábado, 22 de março de 2008

já ouvi falar de pessoas como tu

que atravessam as ruas
em sítios perigosos

e se enchem de pássaros
por onde passam

e são como os peixes
e sobre a água da chuva vão
serenos e descalços

até que faça frio.

e um dia começam a falar com as flores
e dizem com gestos nas palavras
o pão o vinho a água

e sei que houve uma noite
em que foste mais do que esta vida

e colheste amoras e outros frutos
para um cesto
que nós desconhecemos.

e então pediste-nos uma cruz

segunda-feira, 17 de março de 2008

tanto quis este homem ser
num dia de chuva

e leve tão leve caminhou as águas

e tanto quis
as duas faces do rosto ser

num dia verão
noutro talvez uma tarde de inverno

e eram tantos os pássaros e as asas

quando a noite trouxe
a sua sombra

numa cruz

sábado, 8 de março de 2008

a minha mãe já não entende o mundo

e as suas palavras descem sossegadas
misturam-se no ar e nas paredes

são borboletas são pássaros
pequenas coisas de carinho

um poço mais fundo
onde se vê tudo o que há no mundo
onde as laranjas têm árvores
e crianças nas janelas

e eu corro em campos de alegria
com uma dor no coração

sábado, 1 de março de 2008

para a Sílvia Brites

há mais coisas no mundo
mais dias na vida

rosas casas
barcos no mar
conchas e mistérios na areia

árvores que deram fruto
paisagens onde estamos

e o que foi feliz pode ser triste
pois as coisas também se quebram.

mas à medida que envelhecemos
percebemos

que pode haver alegria
mesmo naquilo que não temos

domingo, 3 de fevereiro de 2008

eu não sei
como é com as outras mães

mas a minha ensinou-me
a ver os pássaros que dantes
as árvores tinham

outras vezes
com as suas mãos
passava sobre as minhas dores

e ficavam pequenas rosas
que ainda hoje não entendo

e cuidou de mim nas minhas feridas
aconchegou-me nos dias frios

e nas noites de pavor e medo
mostrava-me um senhor numa cruz
e dizia-me que assim era também o seu amor

a mãe deu-me tudo

e quando um dia quis pagar-lhe
essa incomensurável dívida

já não estava

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

sempre quis ter uma vida simples

um gato na janela
a lareira acesa nos dias frios
noites tranquilas
e árvores no quintal

mas depois o mundo veio
com as suas guerras e angústias

arlequim e manjerona
disputando as ruas da cidade


e então quis fazer um livro
onde caiba a minha vida

e o mundo

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

oh padre que me guardas
de las inquietudes del mundo
y entre los animales

me concedes el don de la espera
y el conocimiento del dolor

(condición de todo el que respira)

y me recuerdas en el viento
a mi mano tan lenta

los días frágiles
de mi corazón

(Trad. de Maria Angeles Ludeña)

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

oração da rosa (a Antonio Capafons)

o meu amigo
tinha uma rosa nas mãos

e deus era no seu coração

e às vezes a rosa
mudava de mãos

ou talvez fosse de coração

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

décima sexta oração

como se fosses um anjo
sem asas nem palavras

apenas um sorriso
muito grande
quando passas

a voar

domingo, 13 de janeiro de 2008

para Maria Angeles Ludeña


teu nome é Maria

cheia de graça nos dias bons
colhendo flores e mel

nas noites de mar inquieto

abres nos teus olhos de espanto
caminhos e janelas

barcos no coração

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

somos
o que somos

nem flores nem pássaros

apenas passos na chuva

ou uma dor maior
nos dias grandes

em que tudo
nos reclamas