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moro numa casa
inclinada
às vezes vou à
janela e desenho um
sol
outras saio à rua
e ponho uma estrela lá
no cimo e então faz
se noite
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já pensei enviar os meus poemas do homem azul a um crítico de poesia. mas
ele dir-me-ia que nos poemas da literatura não se fala de um homem azul ou de
um pássaro de papel. que são metáforas muito pobres e que ninguém as entende. seria
talvez inútil explicar-lhe: o homem azul ou o pássaro de papel não são
metáforas. metáforas são os da literatura
este e outros poemas podem ser ouvidos, cantados, no spotify (basta escrever, em buscar, o título "a crucificação segundo jesus"). os poemas são de carlos lopes pires, a música, voz e arranjos de joão lopes pires.
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pai
que estás no céu
dá-me a mão
que não tens
o coração
que não é outro
senão o meu
em breve irei cegar
nestes olhos
neste corpo
que nunca chegará
a ver-te
nos meus poemas não há figuras de estilo. o
que há é coisas que são outra coisa. só que esta semântica não é um truque de
semântica. é porque o mundo é sempre uma outra coisa. eu cresci a ver nas
palavras o que elas são de outra coisa. há quem julgue que as palavras
descrevem as coisas do mundo, mas eu vi na água que tudo se move noutra coisa,
e assim as palavras são as coisas. e numa palavra cabe tudo, e tudo é uma coisa
que se abre em muitas outras coisas,
e por isso quero dizer-te, creio que chegou a
altura de dizer-te, de dar-te disto testemunho: todas as palavras são
igualmente sinais de uma ética, que é o caminho que fazes para te tornares melhor.
e não, não há qualquer castigo caso o não faças. e não há qualquer deus que te
castigue. mais que tudo há a beleza de te tornares no rosto da própria coisa
sei que é difícil, mas aceita a desimportância
e alcança-te. desimporta-te e aceita a beleza da rosa que canta. ela alimenta
cada coisa de si própria. ela é o bem que todas as palavras querem dizer. e
todavia nada te impõe. dou-te disto testemunho: o bem é a medida do amor no
outro
e
repara como tudo está ligado:
o caminho do bem é a ética do poema, e o poema é a palavra que diz o
mundo