os poemas são experiências espirituais. antigamente parecia haver uma noção próxima disto: era a “inspiração”. a ideia de que alguma coisa imperceptível, misteriosa, chegava ao poeta. claro que os poetas raros o foram sempre. por isso, pessoas banais anseiam intitular-se poetas. Julgam-se mais sensíveis e melhores. mas a poesia deriva da questão existencial. essa em que apenas cada um pode viver a sua vida, embora na completa ignorância sobre o que é existir.
existir num universo, num cosmos, partículas suas que somos. porque a questão existencial é, igualmente, a natureza temporária de cada um de nós. e é quando olho o meu próximo, aquele que me é estrangeiro, que estrangeiro eu sou para ele, que compreendo a profundidade da existência de cada um de nós. e então dou um sentido a tudo isto. tudo isto é o mundo. e o mundo é consciência. a ideia de que nós humanos somos os únicos a ter consciência (de si) é penosa, pois se nós a temos é porque essa é uma qualidade do universo, do mundo. o mundo fala connosco em nós, mas parece que poucos o escutam. alguns desses poucos são poetas e tornam-se seus mensageiros.
dirigir-se ao outro, é gerar uma ética, que é uma ética do bem. e para alguns desses poetas a poesia é o caminho do bem. diz-se que ninguém caminha só. todavia, tal não significa fazer-se acompanhar de alguém. significa a presença dessa consciência. não caminhamos sós porque somos o mundo em nós. somos uma presença. este é o assunto dos poemas, e não de jogos de palavras, ou de imitações grotescas do mundo a fingir.
o caminho do bem é o sentido salvífico da poesia, em abstracto, mas também daquele que se intitula poeta, e daquele que transporta a ambos. e por salvação não me refiro a qualquer credo religioso. salvação é simplesmente o encontro com o bem. é a questão existencial.
a poesia, não é um fim em si mesmo: é um caminho. e esse caminho tem um nome: o bem. é este caminho que define o que habitualmente se chama espiritualidade. a espiritualidade é uma casa muito inclinada.
pensar a espiritualidade fora de uma ética do bem é, simplesmente, uma abstracção. é uma construção no mundo a fingir. a poética do bem resiste a esse fingimento. a poesia pensada como literatura não passa de um reduto para os que fazem dela um negócio, no sentido da troca de favores e interesses. o poeta consigo carrega uma solidão sem nome, pois essa solidão é anterior aos nomes. o poeta é um caminheiro espiritual.
e assim a beleza dos poemas não é mais que uma das faces do bem. a estética não é senão um dos muitos rostos da ética. cheguei a esta e outras conclusões conversando com o homem azul. quando conheci o homem azul já a minha existência se tornara muito inclinada.
também observei os pássaros
os anjos não têm asas
mas o meu coração tem duas asas
poema
as minhas avós e a minha tia-avó/
viveram num tempo que tudo lhes pediu//
e às vezes tinham dias/
mas era à noite/
que tudo se repetia//
como se fosse uma sorte/
uma vingança uma maldição/
ou então uma espécie/
de coisa muito/
forte/
que acontecia