a grande diferença entre os poemas com literatura e os poemas sem literatura, é que os primeiros servem para coisas como: prestígio, fama, vaidade e auto embevecimento, e os poemas sem literatura servem para nada. quer dizer, com os primeiros pode fazer-se tricô e coisas de pendurar nas paredes. com os segundos nada. isto é, os poemas com literatura são estudados e dissecados como se fossem rãs e vão à escola. mais tarde, quando já são crescidos, frequentam a universidade e são o orgulho dos académicos.
os tais sem literatura, praticamente, são iletrados e frequentam lugares muito pobres, que só conhecemos quando os amigos nos falam deles. as pessoas que escrevem estes poemas gostam de ser tratadas por poetas, porque em si reconhecem essa solidão que toda a gente traz, e quase toda a gente faz de conta que não conhece.
toda a gente, quando nasce, é já poeta com literatura e pode escrever versos a torto e a direito, visto estar sempre a fingir. alguns até nem querem que lhes chamem poetas, que é para parecerem humildes. sim, é verdade, a humildade é uma característica dos poetas da literatura. já os outros passam de lado: eles sabem que a humildade é um defeito como outro qualquer, e que só quem nunca cegou é que vê nesse defeito uma virtude.
um poeta sem literatura teve de cegar e crucificar-se em cada árvore a que se abraçou. teve de aprender a falar com as rãs. e como as rãs, ao que parece, não falam, teve de encontrar uma casa e um lugar a que pudesse dar outros nomes. os entendidos que compreendam: a língua de um poeta, sem literatura, é os seus poemas.
os poemas sem literatura são o resultado de se ter aprendido a escrever sem nada. um poema sem literatura é uma ausência completa de palavras. se a alguém parece haver alguma coisa, com aspecto de poema, é porque consegue ouvir a rosa que canta
os anjos não têm asas
mas o meu coração tem duas asas
poema
as minhas avós e a minha tia-avó/
viveram num tempo que tudo lhes pediu//
e às vezes tinham dias/
mas era à noite/
que tudo se repetia//
como se fosse uma sorte/
uma vingança uma maldição/
ou então uma espécie/
de coisa muito/
forte/
que acontecia