terça-feira, 21 de janeiro de 2025

 


29

 

como te chamas

borboleta

 

Deus

 

como te chamas

peixe

 

Deus

 

e tu rã

como te chamas

 

Deus

 

como te chamas tu

erva

 

Deus

 

como te chamas

semente na eira

 

Deus

 

como te chamas

azul do céu e das nuvens

 

Deus

 

diz-me

diz-me tu

como te chamas

horizonte depois do mar

 

Deus

 

como te chamas

ervilha

 


tu nunca

me pediste nada

 

tu só vieste

morar em mim

 

e tomaste conta

dos meus olhos

mãos

 

e coração

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

 


esta noite

 

Deus e eu

sentámo-nos lado a lado

a olhar as estrelas

que há no charco

 

não nos movemos

nem falámos

 

aos amigos

o silêncio basta

domingo, 19 de janeiro de 2025

 


301

 

gosto dos dias

sombrios e chuvosos

 

como hoje

 

manhãs enevoadas

e tardes frias

 

a lareira acesa

antes que seja noite

 

os gatos

muito sossegados

 

e as paredes cheias

das artes do rui pascoal

e do fulvio

 

lá fora no quintal

 

talvez o sapo

regresse

 


eis a boa nova

 

há um poeta que escreve poemas

sem literatura

 

agora os que não caminham

já podem perder-se

à porta de casa

 

não serão necessários cegos

para quem não vê

e bem-vindos sejam esses

e outros equiparados

 

quem fala poderá calar-se de uma vez

ou em opção

 

falar até não ser ouvido

 

os mentirosos serão salvos

pelo menos neste reino

que no outro não há atalhos

 

os que não pensam

poderão constatar que um caracol

é muito mais rápido

que a eternidade

 

e a sua frustração será sem fim

 

aqueles que praticaram

com entusiasmo e perseverança

todos os pecados mortais

 

não verão a Deus

é certo

 

mas também a morte

deles não saberá

 

do mesmo modo

aqueles que tanto nos afligem

finalmente verão como é escuro

o que não se alcança

 

e embora muitos o desejem

jesus cristo não voltará a ser crucificado

 


                               poemas para escrever em paredes

36

 

aqui declaro

que desisto de ti

 

só não desisto

de amar-te


sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

 


aqui é onde começa

a água

 

e nenhum rio

se faz sem ela

 

também esta mão

começa na outra

que não vês

 

também ela

vem da água

quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

 


declaro que este poema

há de crescer para amar-te

ainda mais

 

ele dirige-se a ti

 

em cada pedra

onde tropeça

 

em cada engano

ou em cada desengano

 

cresce o seu amor

por ti

 

deram-lhe paredes

e pedras muito grandes

 

talvez

 

mas o amor  

é cego e não se vê

quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

 


creio nas baratas

e no ar que respiram

 

não creio na literatura

 

creio no silêncio

do que não entendo

e creio nas baratas

 

que sabem

os seus atalhos

 

mas não creio

na literatura

 

creio nos anjos

que ainda ninguém viu

e creio nas baratas

 

que não têm segredos

 

e ainda assim

não creio na literatura

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

 


 

senhor

 

que não estás

em lugar algum

 

e que não criaste

coisa alguma

 

nem uma só formiga

 

e nenhuma eira

guarda de ti

o trigo

 

nem um só pássaro

ensinaste a voar

 

não tocaste a água

e nela o mar

 

e não obstante

aqui estou

 

nesta negação

que só o amor entende

 


no princípio

só havia o verbo infinitar

 

depois é que vieram

os nomes do perto

 

e todas aquelas coisas

relatadas nos livros

 

como rua casa

distância

segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

 


294

 

a maria sereno

tem uma janela

com pardais

 

e ao fundo vê-se

um mar com gaivotas

 

desenhei-os a todos

na minha folha a4

 

roubei-os

e a um coração

com Deus lá dentro

 

ninguém pode fugir

à minha folha a4

 

nem a maria sereno

 


toquei

cada amigo

 

e em cada um

fui o outro

 

aquele

que passava

 


uma criança

pergunta

 

por que nos

querem matar

 

porque somos

os outros

 

e quem são eles

 

os nossos outros

 

domingo, 12 de janeiro de 2025



mesmo que seja

domingo

 

não aceito atrocidades

em nome de guerras

 

nem aceito tudo

a qualquer custo

 

já conheci

alguns desgostos

e sei de algumas maldades

feitas com bondade

 

mas aceito

que me dês uma flor


 


não fossem

os meus poemas

 

Deus seria

completamente inútil

e cego de se ver

 

tudo seria igual

e sem diferenças

de maior

 

assim

pode buscar a

si mesmo e

caminhar pelo mundo

 

e acordar à noite

já tarde

 

e ter muita pena

de nós

 

fica-lhe bem

 


os meus poemas

são tão inúteis

quanto a rã

 

mas sem eles

 

Deus seria

eternamente cego

sábado, 11 de janeiro de 2025

 


desde que a literatura se tornou cúmplice

 

desde que somos poucos

os que resistem

à estória do lobo

e da raposa

 

à invasão da europa

por frankenstein e custer

 

desde que a poesia

se tornou literária e afins

 

a linguagem do não sei quê

com metáforas em vez

de gente

 

colaboracionista de um mundo

sem sentido outro que não seja

o do mercado

 

thackeray anunciou

eliot avisou e carroll adivinhou

 

mas os poetas tornaram-se

cultos e cegos

 

a feira o negócio

a síndroma da branca de neve

 

a maçã podre das igrejas

a conivência com o mundo a fingir

 

e agora ficou ninguém

 

olá ninguém

 


preciosa és

 

preciosa e leve

libertas-me do peso

das coisas

 

levas-me

a voar

 

ó preciosa

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

 


pessoas muito inteligentes e cultas desde há muito discutem onde está Deus. que perda de tempo… Deus vive no meu charco. ainda ontem subimos ao cimo de uma erva a ver o pôr do sol. depois tocou-me. mas não foi com uma mão, um dedo ou um braço

 

se não consegues

amar-me


por que

me persegues

 


eles dizem

 

que hei de morrer

para te ver

 

e eu digo que te vejo

há muito

 

no meu espelho

 

e então insistem

que terei de perder

tudo

 

o coração as jóias

e a memória do que fui

 

e eu digo

que já não posso

ser mais pobre

 

nesta pobreza

que eles não conhecem