terça-feira, 31 de dezembro de 2024

 



288

 

a gente

habitua-se às pessoas

e depois elas vão-se

embora

 

algumas deixam

sinais nas portas

 

outras partem

sem dizer

nada

 

fica um silêncio

um vazio

 

uma espécie

de pássaro que já

não voa nem fala

 

e a tudo isto também

nos habituamos

 


segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

 


quando cristo

foi crucificado

 

ninguém o ouviu dizer

aquelas coisas que se contam

 

o que era

era um assunto encerrado

e ninguém mais quis saber

 

excepto sua mãe

 

tão sozinha e morta

quanto ele

 


286

 

um gato

foi crucificado esta manhã

 

morreu em nós

sem dizer

 

porque

me fizeste isto

 

ninguém o viu ressuscitar

nem caminhar nas ruas em busca

de seguidores

 

conheceu muitos homens

mas a nenhum perguntou

 

por que me segues

clavius

 

bastou-lhe seguir a si mesmo

nas árvores nos muros

ou nas casas onde

viveu

 

nunca o viram rezar

nem odiar em nome

de ideias tontas

 

a sua vida foi o que foi

 

e tudo o que errou

foi certeiro

 


as vezes é mesmo assim

 

que não sou digno

de continuar a vida sem ti

 

respirar o ar que era teu

 

usar as tuas palavras

como se fossem minhas

 

depois calo-me

e sigo em silêncio

 


possivelmente

 

todos teremos perdido

de vista alguém

no ano que agora passa

 

um lugar a menos na mesa

na rua ou no autocarro

 

uma voz que já só vive

nos retratos

 

uma ausência

que agora notamos mais

na forma de um desgosto

 

ou no vazio sentido no peito

porque possivelmente

aí morava

 

já que todas as presenças

ocupam partes do nosso corpo

 

e depois são como as maçãs

em falta numa árvore

 

possivelmente

desejamos que no próximo ano

se mantenha tudo como está

 

as mesmas árvores

as mesmas aves

e as mesmas mãos que definem

cada um

dos nossos amigos

 

e possivelmente sabemos

que jamais será assim

domingo, 29 de dezembro de 2024

 


285

 

hoje faz anos

que matei alguém

 

esqueci perguntar-lhe

o nome e por isso

não me lembro

dele

 

só recordo

a culpa

 

                                        (para a minha mãe)


o que resta de ti

 

são já só as lembranças

reveladas em alguns sinais

que foram ficando com as feridas

 

é claro

existem certas imagens

que ficaram retidas em palavras

 

uma neblina

que se formou com o tempo

e ruídos de portas

que nunca mais se abriram

 

há mesmo

uma memória muito antiga

para a qual não encontro

uma só palavra que sirva

 

embora

já tudo tenha existido

numa única

 

palavra

sábado, 28 de dezembro de 2024

 


285

 

hoje faz anos

que matei alguém

 

esqueci perguntar-lhe

o nome e por isso

não me lembro

dele

 

só recordo

a culpa

284

 

eu acredito nas crianças

 

aquelas que se vestem

de anjos e voam

no seu coração

muito azul

 


aquelas que

caminham descalças

e falam com as nossas mãos

 

vejo-as por todo o lado

 

às vezes tristes

às vezes abandonadas

 

e pergunto-me

que mal nos fizeram


 


percorrer os sítios onde chove

e acreditar nos amigos

 

escolher as palavras

e dizê-las

para que nunca acabem

no coração do outro

 

o irmão o estranho o próximo

o outro lado dos meus olhos

 

porque ser também humano

nos gatos nos cães nos peixes

e nas aves

 

certeiros na distância

antes da ausência

 

um abraço

que não desista

 


144

 

olá

casa inclinada

 

olá

pássaro de papel

 

olá

homem azul

 

olá

sol

 


22

 

toma

 

fiz esta estrela

para ti

 

segue-a

como se fosse

um sinal

 

ou então

uma coisa

muito grande

 

que não se vê

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

 


porque não acreditaram

não foram salvos

 

porque não quiseram ver

não lhes foi dado

 

as suas noites

eram palavras desabitadas

onde nunca houve água

 

uma casa que se abria

por dentro

mas eles não sabiam

 

e por isso

não foram salvos da vida

 

que já não tinham

 

sê simples

 

nenhuma viagem

dura sempre

 

compreende

que todos os lugares

são de chegada e partida

 

depois

apaga tu

o teu nome

 

da janela

quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

 


em silêncio

e junto à tua porta

 

em silêncio esta flor

esta mão

 

este impossível tocar-te

 

este incapaz

atravessar a água e o vento

para estar contigo

 

esta coisa

este nome

 

esta dor

 


era dezembro

 

mas ninguém

conhecia o nome

 

alguns chamavam-lhe inverno

como nos países do frio

 

outros sentavam-se nos sítios

onde chove

pensando que a noite

fosse chuva

 

conheci-o na parte de dentro

de uma janela

 

enquanto escrevia o teu nome

num retrato

 


a vida no meu charco

é cheia de surpresas

 

hoje cedo

ouvi um pássaro rezar

 

depois vi-o subir

no ar

 

e pairar sem asas

 

foi quando

passou por mim

 

ou talvez fosse

o final da tarde

quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

 


voa

libélula

 

faz das tuas asas

uma distância maior

 

liberta-te

 


4

 

eu sei o verbo

cantar com os pássaros

 

e conjugo o infinito

numa só gramática

 

e tenho uma tabuada

de cantar com os pássaros

 

eu multiplico,

eu adiciono

 

mas nunca divido

ou subtraio

 

cantar

com os pássaros

terça-feira, 24 de dezembro de 2024

 


283

 

tenho uma fotografia

muito antiga

 

com o pai natal

 

ele vinha todos

os anos

 

e parecia-se

com alguém lá de casa

segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

 


87

 

senhor

 

eles dizem que

não nos respondes

por ser essa a tua

natureza

 

eu acho que

não existes ou

então és já muito

velho

 

além disso as

minhas perguntas

simplesmente

respondem às

tuas

 

eles não entendem

domingo, 22 de dezembro de 2024

 

in "poemas para escrever em paredes"

...

15

 

solta-me do chão

eleva-me no coração

 

16

 

escrevo-te

aqui

 

só para dizer

que te amarei

 

mesmo quando

já não tenha

mãos


 


24

 

um homem inclinou-se

no chão e

 

limpou-o

 

depois escreveu

e soube

 

que tudo se

apaga

sábado, 21 de dezembro de 2024

 

alguns poemas de "poemas para escrever em paredes"

....

8

 

yeats escreveu

um poema sobre

ti

 

e eu escrevo-te

daqui

 

9

 

este natal

não me dês prendas

 

dá-me só as tuas

mãos

 

atravessa-me

o coração

 

10

 

não me deixes

 

eu sou a tua

companhia

 

11

 

agora já só escrevo

em paredes

 

sou um poeta 

inclinado

 

12

 

nomes de gente

muito importante

 

este aquele

o outro

 

ninguém


sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

 


274

 

não importa que nunca

tenha havido um pai natal

mais as suas renas

 

também não houve

um menino jesus

numas palhinhas

deitado

 

mas é que

eu olho sempre

o outro lado do horizonte

e com ele faço riscos

na janela da minha casa

 

e depois vou até

ao quarto de ouvir

tocar piano

e peço

 

traz-me um amigo

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

 


280

 

li um poema de yeats

que fala de ti

 

de como envelheceste

num alpendre a olhar o longe

e nele o voo dos

gansos

 

sentada numa cadeira

balouças o corpo

para o chão

 

já não cantas

 


diz-me quando

venhas

 

quero ter

a tua fotografia

 

e se não vier

perguntas

 

então

 

nenhum de nós

terá o teu nome

escrito

no lado de trás

do retrato

 


aquele que bate

à tua porta

 

não é um estranho

 

não vem de longe

ou perto

 

e a língua que fala

é a tua

 

recebe-o

 

ele és tu

multiplicado

 


278

 

hoje escreverei

numa parede

 

o que sinto

são abismos

 

279

 

hoje

vou escrever

em todas as paredes

 

canta comigo

sol

quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

 


duas ou três palavras

chegam para falar

de ti

 

a primeira é

o mar

onde quer

que seja

 

a segunda

abre-se em cada um

dos meus poemas 

 

a terceira 

esconde-se

nas outras

duas