domingo, 30 de junho de 2024

vou contar-te um

segredo

 

não se vê nada

lá fora

 

mas deslumbrante

é o que brilha

dentro de

ti

sábado, 29 de junho de 2024

não podes

ferir-me

 

tudo quanto

faças é

inútil

 

demasiado alta

é a árvore

 

excessivo o chão

 

voa comigo

pássaro

sexta-feira, 28 de junho de 2024

agora que me calei

que não há mais ruído

 

que nenhuma

passagem me quebra

 

aqui deixo

a minha única vitória

 

saúda

a minha ausência

 

pois ela é

também a

tua

no princípio a

palavra criou Deus

 

mas não os céus ou a terra

 

a palavra era o verbo

e a gramática era Deus

 

assim que tudo o

que era dos céus ou da terra

era também da água

e esta da chuva

 

o homem não era mais

e o gato não era

menos

 

pois em todos foi aberto

onde caminhar e

o caminho era

deserto

quinta-feira, 27 de junho de 2024

pediste-me

que fosse forte

 

que num lugar

muito longe daqui

estarás

 

e eu segui-te até á

porta

 

abri o mundo

 

e tu abriste umas

asas que tinhas

 

largaste-me da

mão

no princípio era a ausência

 

e nem tempo terra ou chão

nem se movia o vento

não havia água

 

nem ouvidos para a chuva

 

e então a palavra

veio

 

e com ela

o homem e o mundo

como agora são

 

e o verbo moveu-se

no coração de cada coisa

 

para que tivesse vida o

que é de morrer

 

e nunca morra o que

da palavra vem


há quem caminhe

por estradas

 

eu caminho nos

meus poemas

 

há quem já tenha por

destino um lugar

no céu

 

os meus poemas falam

com todos os

lugares

quarta-feira, 26 de junho de 2024

no princípio era

o verão e as crianças

que nele

havia

 

se houve inverno

ou as folhas se moviam

 

a estória só

nos fala do verão

terça-feira, 25 de junho de 2024

pergunto

se haverá alguém no

cosmos

 

se haverá alguém

que nos possa salvar

desta tentação

 

desta escuridão

tão grande

a minha mãe tinha

muita vergonha de

eu ser ateu

 

e então rezava muito

para que mesmo

depois de

morrer

 

Deus pudesse ouvir

a sua voz

recordo que em

criança

 

às vezes desenhava

numa folha de papel muito branca

as várias cores de

 

Deus

 

desenhava quase

tudo

 

um caminho

uma casa com o

telhado inclinado

 

um sol

e uma montanha

ao fundo

 

um rio e

pessoas que passavam

de lado a olhar para mim

 

havia até um cão

ou então um gato

 

e ao terminar o desenho

todo

 

ficava sempre

sem nada

segunda-feira, 24 de junho de 2024

era assim há anos

 

ele cantava

mas não sabia que

cantava

 

era como se

fosse dia

e ele

fosse cego

 

ou como se fosse

noite

 

e o sol

já soubesse

este é o desenho

que fiz numa parede

muito branca

 

tu estás

junto a uma árvore

para que pareças

muito mais alta

 

e então

ergas uma mão

e toques o sol

 

também

fiz um pássaro

 

mas tinha asas

de voar e voou

 

não estranhes

a casa desigual

 

lá dentro

já só habita a tua alma

 

amiga

não esperes mais

por mim

maria

 

fecha a porta

 

eu desligo a luz

baixo as persianas e

visto o pijama

 

a tua viagem é

ainda longa

 

já eu fico por aqui

entre os balões

e os papelitos da festa

 

chama os palhaços

Deus já não

brinca mais comigo

 

veio e disse

 

antigamente eras

mais engraçado

 

chegavas aqui

 

e dizias

que eu não existo

 

e depois

ficávamos a noite toda

a rir e a riscar fósforos

 

agora não sei onde estás

e os fósforos já não

ardem

apaguei um poema em

que não estavas

 

pois em nenhum mundo

tu podes não estar

 

e por isso

voltei a desenhar

aquela parte

do retrato

 

em que sorris