"a palavra que diz o mundo" diário poético de carlos lopes pires

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

 


256

 

gostava de ficar

nos teus

olhos

 

olhar para trás

e ver-te aproximar

sem qualquer pressa

 

és o sol

 

não há sombras

que te alcancem

 

e hoje não chove

 

abre-te mão

 


257

 

do amor apenas

sei quem

amo

 

não tenho metafísica

alguma que meça

o que sinto

 

e por isso

defino o amor

naqueles que amo

 

que todos têm

rosto lugar e nome

 

limpo o coração

e as mãos

 

e entrego-os

 

para que amanhã

ainda faça

sol

 


hei de desistir

de todos os lugares

em que não estás

 

a pouco e pouco

esquecer as sombras

e atravessar as ruas

 

que tu tens

tantos rostos

e tão múltiplas são

as mãos que trazes

 

que levar-te a todo o lado

onde faltes

 

é como fazer ouvir

uma canção

terça-feira, 19 de novembro de 2024



256


recordo dezembro

de antigamente


a vida lenta


de um ano para o 

outro quase nada

se movia


a mesma chuva

o mesmo presépio e 

o algodão a fazer de neve


os pais os tios os primos


um pássaro cantava

de noite e era sempre

o mesmo


cada um é

aquilo que recorda


abri a porta

e a casa inclinou-se


olá morte


 


esta noite

 

Deus e eu

sentámo-nos lado a lado

a olhar as estrelas

que há no charco

 

não nos movemos

nem falámos

 

aos amigos

o silêncio basta

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

 


certa vez

perguntaram a um poeta

 

se Deus existe

onde está

 

o poeta abriu as mãos

e assim ficou em silêncio

 

como pode ser que Deus

se encontre nesse vazio

perguntou alguém

 

e então o poeta disse

 

em que outro lugar

poderia estar

 


2

 

ontem vi uma fada

pousada num nenúfar

 

os da igreja dizem

que decerto seria uma rã

 

os da literatura

que estrago os poemas

com fantasias exageradas

 

pode ser

 

mas hoje

voltou a chover

no charco

 

e a fada e eu

fomos passear de barco