Estou em ruptura total e completa com a poesia contemporânea e com todos quantos dela fazem o seu negócio, sejam eles académicos, críticos, ou os próprios poetas. Recuso, firmemente, essa poesia que apelido de literária, que é uma poesia de entretenimento, frívola. Venho aqui por uma poesia de sentido existencial. Não no sentido “culto”, que é fingido, mas naquele sentido em que o poeta e aquele que o transporta (a pessoa) caminham para o sentido do poema, que é um sentido para o mundo e para os existentes. Venho aqui por uma poesia que não é literatura nem arte, pois estas fazem parte integrante do mundo a fingir. Não importa que seja ignorado ou varrido para debaixo do tapete: um poeta deve ser, antes de tudo, o sentido dos seus poemas e, por conseguinte, escrever para si, pois é aí que nasce a direcção do seu caminho. Corpo, asas e voo num só pássaro reunidos.
Aquilo que chamamos realidade é uma criação semântica, é um mundo a fingir. A poesia é um desvio semântico, e é, portanto, igualmente, uma semântica. Mas é um desvio de sentido. É um desvio ético, uma abertura espiritual. A vida, a existência, de um ponto de vista humano, da sua compreensão e consciência, são um absurdo. Já o disseram outros. O que digo é que a vida, a existência, são mais do que conseguimos saber. Este “mais” é a raiz da espiritualidade. E este é o caminho de um poeta que inventa para si, e para os outros, uma poética do bem, que é, também, uma ética. Como já disse, noutras circunstâncias, é o caminho da água.
Eu não sei o que é a vida, o mundo, o universo. Nada sei sobre Deus. Isto é, sei tanto como todos os outros, incluindo os fingidores. Mas sei que a poesia é uma experiência espiritual, uma reclusão de sentido, um afastamento da mundanidade frívola. Cada poema é um vislumbre no caminho do bem. Cada poema é uma experiência de Deus.
os anjos não têm asas
mas o meu coração tem duas asas
poema
as minhas avós e a minha tia-avó/
viveram num tempo que tudo lhes pediu//
e às vezes tinham dias/
mas era à noite/
que tudo se repetia//
como se fosse uma sorte/
uma vingança uma maldição/
ou então uma espécie/
de coisa muito/
forte/
que acontecia